Mansur Samba Trio

Ricardo Mansur - Fabricio de Souza - Wallace Santos - DVD - Mansur Samba Trio ao vivo no Teatro Municipal de Niterói - 2008.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O samba na flauta do estivador Claudio Camunguelo

Vi Claudio Camunguelo pela primeira vez na Lapa, quando eu morava na ladeira de Santa Teresa em 2001, a ladeira aonde se chega pela escada do Selaron (artista plástico chileno que espontaneamente "decora" a Lapa com sua arte singular), ele dava uma canja com sua flauta transversa sofisticada e intuitiva num boteco, acompanhado por uma "porrinhola eletrônica" que fazia um ritmo "tipo samba japonês" e um violão com harmonias erradas e execução bêbada.

Chamou-me muito a atenção, principalmente porque ele tocava com desenvoltura de quem estava muito bem acompanhado, fiquei curtindo por algum tempo, alheio ao caos da Rua Silveira Martins, aquela personagem de boina tipo italiana improvisando muito originalmente como se estivesse no Blue Note, eu realmente não tinha idéia de sua importância, mas enxerguei a luz que ele emitia no meio da confusão.

Depois de alguns anos, talvez três, fui chamado pela jovem cineasta Karen Ackerman para fazer desenho de som em um curta- metragem dirigido por ela intitulado São Jorge de Camunguelo e lá estava ele protagonizando um documentário sobre ele e sobre a festa que promovia todo ano, religiosamente, no dia de São Jorge. Era uma festa sacra umbandista: ritual religioso, muito samba, chorinho, muita cerveja, muita cachaça, feijão carregado, fogos de artifício e alegria.

No dia de estréia do curta-metragem no CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil), não foi. Muito infelizmente para a diretora que na breve apresentação do filme transpareceu sua decepção, mas tal ausência era previsível para quem conhecia a personagem.

Através desse filme a diretora Karen Ackerman apresentou-o em várias situações: cozinhando, comprando cerveja, organizando a festa (ao seu modo), cantando seus sambas, tocando flauta, caindo de bêbado e cansaço, versando no partido alto, ressuscitando da bebedeira e por fim contando uma história incrível (que não me recordo inteiramente) de como havia certa vez perdido sua flauta e a recuperado de maneira inusitada, com nuances de “coincidências metafísicas”.

Depois do filme o encontrei várias vezes em variadas situações, muitas delas em sambas de mesa pelo Rio, onde marcava incrível presença com suas interpretações sincopadas de musicalidade extremamente consciente. Ele era essencialmente um sambista, mas havia ali um músico experiente que conhecia bem os mistérios, não só do samba, mas da música também e isso era notável.

Com seu carisma sempre levantava e alegrava a roda cantando, tocando flauta e regendo o “regional” com a indefectível expressão inicial dirigida aos músicos acompanhantes: – sem corrimento... (que tinha o intuito de alertá-los para não acelerarem o ritmo, o que também demonstra sua consciência e rigor musical). Camunguelo era simpático e alegre.

Sua maneira de cantar e "dividir" sempre improvisando ritmicamente e reinventando a música era obviamente influenciada pela experiência como flautista e a despeito de ser uma característica geral dos intérpretes do samba re-ritmar a música e improvisar ele fazia isso com uma desenvoltura absolutamente autêntica e genial.

No choro era versado, apesar de ser autodidata e não ler partitura tinha o respeito dos grandes como Silvério Pontes e Zé da Velha. Silvério pode ser visto no filme participando ativamente da festa de Camunguelo e numa prosa informal hilária sobre afinação de instrumentos de sopro.

Das muitas vezes que nos encontramos, as que mais me marcaram foram na casa do nosso amigo comum Carlos Pedreira, empresário baiano e grande anfitrião que promove festas em sua casa com a presença de muitos sambistas e músicos em geral.

Numa dessas festas estávamos já bem alegres com o desenrolar da madrugada e pelas fartas doses de “tudo” que encontrávamos pela frente e então toquei uma composição de minha autoria chamada Santa Teresa. Para a minha extrema alegria ele adorou, mas me contive por estar em sua presença e ocultar estrategicamente minha condição de fã absoluto. Ele empolgado criou uma introdução para a música que hoje em dia eu incorporei a composição.

Eu conhecia sua condição de estivador profissional aposentado e quando apertei sua mão enorme, pesada e calejada me despedindo disse -isso é mão da estiva profissional...ele se surpreendeu e me olhou fundo nos olhos respondendo contente com o meu respeito - isso é coisa muito séria...tenho muito orgulho...

Na mesma noite me deu seu telefone e me intimou - Mansur...quando quiser me liga...vou te levar pra tocar num boteco ali em Vila Isabel informalmente...voce leva sua nega...eu levo a minha...e a gente vai tocar a noite inteira, beber, comer e não vai pagar nada...me fez esse convite como quem convida alguém pra dar uma volta no paraíso...

Nota de falecimento do jornal “O Globo” do dia 26/12/2007:

O sambista, flautista e compositor Claudio Lopes dos Santos, mais conhecido como Cláudio Camunguelo, 61 anos, morreu vítima de complicações causadas por diabetes na tarde de segunda-feira (24), no Rio.Ele estava na casa da namorada quando passou mal e foi levado para o posto de atendimento médico de Irajá, subúrbio do Rio, às 8h da manhã. No começo da tarde, ele entrou em coma e faleceu, segundo informações de Carlos Muller, um dos melhores amigos do artista.O compositor era Portela de coração.

Autodidata, começou a trabalhar com música ainda jovem e aos 16 anos já estava compondo. Mesmo sem saber ler partitura, ele iniciou-se na música gravando jingles para a Rádio Nacional. Com essa mesma idade ele conheceu Zeca Pagodinho, um dos seus grandes parceiros. Suas músicas foram gravadas por intérpretes como Elza Soares e o Grupo Fundo de Quintal, fãs do trabalho de Camunguelo, que recebeu o apelido de outro grande bamba: Arlindo Cruz.

Freqüentador do bloco Cacique de Ramos, no subúrbio, onde foram revelados grandes nomes do samba, Camunguelo tinha acabado de gravar um CD com músicas de samba e choro. O trabalho foi patrocinado pelo parceiro Zeca Pagodinho e está em fase de finalização.
O sambista foi enterrado às 16h desta terça-feira (25) no Cemitério de Irajá, no subúrbio do Rio.

Camunguelo era admirado nas rodas por interpretar um samba de Jorge Carioquinha intitulado Meu gurufim que dizia:

Eu vou fingir que morri
Pra ver quem vai chorar por mim
E quem vai ficar gargalhando no meu gurufim

Quem vai beber minha cachaça
E tomar o meu café
E quem vai ficar paquerando a minha mulher

Quando o caixão chegar
Eu me levanto da mesa
E vou logo apagar
As quatro velas acesas

Eu vou dizer pra minha mãe
Não chora
Amigo a gente vê é nessa hora

Acho que Camunguelo fingiu que morreu...

Por Ricardo Mansur

Seguidores